Prescrição de rendas em contratos de locação financeira: novo entendimento do STJ

Autores:  Inês Correia

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no Acórdão n.º 13/2024, veio uniformizar jurisprudência ao estabelecer que as rendas vencidas nos contratos de locação financeira prescrevem no prazo de 5 anos, aplicando por analogia o artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. Trata-se de uma viragem relevante na forma como se entende o regime prescricional destas prestações, com impacto direto sobre instituições financeiras e sociedades comerciais.

O caso analisado envolvia um contrato de locação financeira imobiliária em que a locatária deixou de pagar várias prestações. Quando a instituição financeira avançou judicialmente, a devedora alegou prescrição de parte das rendas por já terem decorrido mais de cinco anos desde o seu vencimento.

Atente que, nestes contratos, o objeto pode ser tanto bens moveis como imóveis. No entanto, como se verá adiante, o tribunal não condicionou a sua decisão à natureza do bem locado, nem formulou entendimento distinto em função dessa variável.  

Historicamente, estas prestações eram consideradas como obrigações de prestação única e, por isso, sujeitas ao prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC. No entanto, o STJ entendeu que essa perspetiva já não se adequa à realidade económica e contratual destes contratos.

Porquê a mudança?

O tribunal começou por excluir a aplicação direta das alíneas b) e e) do artigo 310.º:

  • A alínea b) diz respeito a contratos de locação, mas o tribunal entende que a locação financeira tem uma natureza jurídica e económica distinta, envolvendo amortização de capital e juros, para além da mera fruição do bem.
  • A alínea e) refere-se a prestações periodicamente renováveis, como rendas ou pensões. No entanto, no caso da locação financeira, as prestações são determinadas à partida, com montantes e prazos fixados no contrato — o que afasta a lógica de renovação automática que esta norma pretendeu abranger.

Apesar destas exclusões, o STJ reconhece que as prestações da locação financeira ocorrem de forma sucessiva, previsível e prolongada no tempo, o que levanta questões de segurança jurídica semelhantes às que justificam o regime da prescrição quinquenal.

Daí que, com base numa interpretação teleológica e sistemática, o Supremo defenda a aplicação por analogia da alínea e) do artigo 310.º, considerando que a lógica subjacente à norma — evitar a cobrança de obrigações antigas e pouco documentadas — se aplica também a estas situações.

Que consequências práticas?

Aqui chegados, que implicações práticas podemos esperar? Vejamos.

  • Para os locadores (instituições financeiras), esta decisão exige maior vigilância sobre a gestão dos créditos vencidos. A inércia poderá implicar a perda definitiva do direito de cobrança de rendas com mais de cinco anos, salvo se houver interrupção da prescrição.
  • Para os locatários (normalmente empresas), o novo entendimento oferece maior segurança jurídica e previsibilidade, podendo até ter impacto em renegociações contratuais.
  • Em termos gerais, esta uniformização jurisprudencial reconfigura o risco contratual na locação financeira, obrigando as partes a ajustar procedimentos, reforçar sistemas de monitorização e repensar estratégias de litigância.