Tributação do quinhão hereditário

Autores:  Joana Mil-Homens

Supremo Tribunal Administrativo uniformiza jurisprudência a favor dos herdeiros. E agora? O desafio da aplicação prática

Recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) uniformizou a jurisprudência no sentido de afastar a qualificação da alienação do quinhão hereditário como uma mais-valia tributável ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (CIRS).

Com esta decisão, o STA clarifica que a simples transmissão da herança — antes da partilha dos bens — não pode ser sujeita a tributação como se de uma alienação onerosa se tratasse. Trata-se de um entendimento com impacto relevante, porquanto finalmente afasta uma leitura fiscalista que colocava os herdeiros na mira da Autoridade Tributária para uma tributação indevida.

De facto, o quinhão hereditário corresponde à parte ideal que cabe a cada herdeiro na herança enquanto esta se mantém indivisa. Até à partilha, não há propriedade de bens concretos, mas apenas um direito abstrato sobre uma quota-parte do património global deixado pelo falecido. Esta posição jurídica não representa um direito real sobre bens determinados, mas uma expectativa de futura partilha.

E, uma vez que o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS determina que a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é passível de tributação em sede de IRS, incidindo sobre a mais-valia resultante da diferença entre o valor de aquisição e o valor de transmissão do imóvel, chega-se à conclusão de que a alienação do quinhão hereditário não é reconduzível a este preceito, exatamente por não se tratar de um direito real.

Importa registar que, na sequência deste Acórdão uniformizador de jurisprudência, a Autoridade Tributária emitiu, a 23 de julho, uma informação vinculativa, na qual confirma que passará a seguir este entendimento, afastando a tributação do quinhão hereditário como mais-valia. Trata-se de uma decisão que assegura maior segurança jurídica e evita que os contribuintes continuem a ser obrigados a recorrer a meios de impugnação graciosa ou judicial — com os custos e atrasos inerentes — para ver reconhecido um direito que a jurisprudência superior já havia claramente afirmado.

Esta mudança de posição da AT está, aliás, em consonância com o dever legal de rever orientações internas sempre que exista acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo STA, conforme decorre da própria lei.

A uniformização agora acolhida pela Administração Fiscal representa, assim, não apenas uma vitória para os herdeiros, mas também um sinal de coerência e racionalidade na atuação tributária, contribuindo para o descongestionamento dos tribunais administrativos e para o fortalecimento do princípio da legalidade fiscal.

 

- Joana Mil-Homens | João Pedro Schwartz (estagiário de verão)