SÉRIE "Os Contratos de Arrendamento no Contexto da Covid-19"
No contexto das medidas aprovadas pelo Governo português para fazer face à pandemia económica causada pela COVID-19, o sector do arrendamento urbano (habitacional e não habitacional) não foi exceção. O legislador viu-se obrigado a adotar soluções excecionais e temporárias de modo a adaptar as relações contratuais vigentes à queda de rendimentos das famílias e empresas.
As medidas adotadas até à data (com requisitos e âmbitos de aplicação próprios) são, em síntese, as seguintes:
- Suspensão dos efeitos decorrentes da cessação de contratos
- Diferimento da obrigação de pagamento de renda
- Financiamento a custo zero para auxiliar o pagamento de rendas (pelos arrendatários) ou fazer face à diminuição de rendimentos prediais (dos senhorios)
Propomo-nos analisar em três breves artigos (Takes I, II e III) o funcionamento destas medidas e alguns dos problemas que elas suscitam, para os quais procuramos sugerir abordagens tão práticas quanto possível.
TAKE I – Suspensão de Efeitos Em Caso de Cessação do Arrendamento
A primeira medida adotada para auxiliar os arrendatários a fazer face aos efeitos económicos e sociais da pandemia foi a suspensão da produção de efeitos decorrentes da cessação de contratos de arrendamento, celebrados quer para fins habitacionais, quer para fins não habitacionais, quando promovida pelos senhorios ou resultante de mero efeito dos contratos. Esta suspensão de efeitos deverá durar até que seja decretado o fim da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da COVID-19 e durante os 60 dias posteriores à cessação de tais medidas.
Assim, ficam suspensos durante aquele período, nomeadamente, os efeitos decorrentes da denúncia, caducidade e oposição à renovação de contratos de arrendamento, bem como o prazo para que os inquilinos procedam à restituição do locado(1). Ressalve-se, porém, que a suspensão dos referidos efeitos se aplica apenas às cessações promovidas pelos senhorios ou que resultem de mero efeito dos contratos (por exemplo, a caducidade). Por outras palavras, dir-se-á que para os arrendatários nada muda, podendo estes, em pleno Estado de Emergência, cessar o contrato de acordo com os mecanismos previstos no Código Civil e cumprindo os necessários pré-avisos.
Esta situação poderá acarretar, quer por parte dos senhorios, quer dos inquilinos, alguma incerteza quanto à capacidade para celebrar novos contratos de arrendamento. Assim, por exemplo, o que acontece a um inquilino num contrato de arrendamento para habitação que tenha previsto sair do atual locado e tenha, por isso, arrendado outro imóvel? Ou ao senhorio de um espaço comercial arrendado até 31 de abril de 2020 (data em que caducará o atual contrato), que celebrou com um terceiro outro contrato de arrendamento do mesmo estabelecimento com início a 1 de maio?
A lei apenas esclarece que, em caso de caducidade do contrato, a suspensão da produção de efeitos pode não se aplicar se o arrendatário não se opuser. E nos restantes casos? Apesar de a lei ser omissa, parece-nos defensável que o intuito é de proteção dos arrendatários. Assim, mesmo nos casos de denúncia e oposição à renovação promovidas por senhorios, parece-nos que se o arrendatário não pretender beneficiar do efeito legal de suspensão (porque, por exemplo, já celebrou contrato de arrendamento sobre outro imóvel), as partes são livres de acordar na cessação do contrato, com todos os efeitos legais.
Já no que respeita à posição dos senhorios que se vejam impedidos de honrar compromissos assumidos, como seja a entrega de um imóvel arrendado em data acordada, em virtude da suspensão de efeitos da cessação de um contrato em vigor de que o atual arrendatário queira beneficiar – é o caso do segundo exemplo acima ilustrado –, considerando que uma tal impossibilidade resulta da lei, parece-nos que ter-se-á de apurar se o terceiro com quem o senhorio celebrou contrato de arrendamento e que não poderá receber o locado na data acordada mantém, ou não, o interesse na manutenção desse contrato, porventura adiando o início da sua vigência para quando aquela suspensão legal cesse. Em caso negativo, em princípio o contrato extinguir-se-á e o senhorio deverá restituir tudo quanto haja recebido a título de rendas e de caução.
Estas são algumas das questões que a medida que prevê a suspensão dos efeitos decorrentes da cessação de contratos de arrendamento levanta. No entanto, estas considerações não dispensam a análise das circunstâncias de cada caso concreto.
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(1) Em caso de caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1053.º do Código Civil.
TAKE II – Diferimento de Rendas
A segunda medida aprovada pelo Governo português para auxiliar famílias e empresas no contexto da Covid-19 passa pela flexibilização dos prazos para pagamento de rendas que se vençam durante o estado de emergência (ou seja, a partir do corrente mês de abril de 2020) e no mês imediatamente a seguir, e que sejam devidas no âmbito de contratos de arrendamento para habitação de imóveis que constituam habitação própria permanente dos arrendatários(1) ou de contratos de arrendamento para fins não habitacionais.
Este direito a diferir ou, se se quiser, adiar a obrigação de pagamento das rendas que se vençam naquele período não se estende a todo o universo de arrendatários, habitacionais e não habitacionais, já que depende, nos arrendamentos habitacionais, da verificação de determinada queda de rendimentos do agregado familiar decorrente da contração económica provocada pela Covid-19 e, nos arrendamentos não habitacionais, do encerramento do estabelecimento ao público ou da suspensão das respetivas atividades. É ainda necessária a notificação do senhorio para que este direito lhe seja oponível.
A) Arrendamento habitacional
Quanto aos arrendatários habitacionais, cabe-lhes demonstrar (i) uma quebra superior a 20 % dos rendimentos(2) de todo o agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior, e que (ii) a taxa de esforço do agregado familiar – calculada como a percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda – seja superior a 35%. Vejamos:
Imaginemos um agregado composto por dois adultos e um menor, em que ambos os adultos são trabalhadores dependentes. Devido à pandemia, ambos estão em layoff e, por conseguinte, sofrem cortes salariais na ordem dos 33%. Vejamos:
- Rendimento mensal bruto normal (no mês de março de 2020): 3.000,00 Euros
- Rendimento mensal atual (mês de abril de 2020): 2.000,00 Euros
- Valor da renda mensal da habitação permanente: 900,00 Euros
Pressupostos de aplicação:
- Quebra superior a 20 % dos rendimentos do agregado familiar:
(3.000,00€ x 20% = 600,00€)
Neste caso, a família registou uma quebra de, aproximadamente, 34% dos seus rendimentos, uma vez que aufere menos 1.000,00 Euros face aos rendimentos do mês anterior. Sendo ambos os cônjuges trabalhadores dependentes, os recibos de vencimento serão suficientes para comprovar a quebra.
- A taxa de esforço do agregado familiar destinada ao pagamento da renda seja superior a 35%:
(2.000,00€ x 35% = 700€)
Atendendo ao rendimento atual do agregado familiar (2.000,00 Euros), o valor destinado ao pagamento da renda não poderá ultrapassar os 700,00 Euros. Se a renda mensal é de 900,00 Euros, a taxa de esforço rondará os 45%, pelo que está preenchido o segundo pressuposto de aplicação da medida.
A segunda condição essencial para que o arrendatário num contrato de arrendamento para habitação possa beneficiar do direito ao diferimento no pagamento de rendas é a notificação ao senhorio, atempada e completa: por escrito (preferencialmente por correio eletrónico) e anexando documentação comprovativa da quebra de rendimentos(3).
A comunicação ao senhorio deverá ser efetuada até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que o arrendatário pretende beneficiar do apoio. Porém, se o arrendatário tencionar diferir o pagamento da renda de abril de 2020, pode notificar o senhorio até ao dia 27 deste mês, sem incorrer em qualquer penalização.
B) Arrendamento não habitacional
Nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais os arrendatários poderão beneficiar do direito ao diferimento do pagamento de rendas desde que se trate de (i) estabelecimentos abertos ao público destinados a comércio a retalho e prestação de serviços, que (ii) tenham sido encerrados ou cujas atividades estejam suspensas durante o estado de emergência(4), mesmo que mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica e, no caso dos estabelecimentos de restauração e similares, ainda que funcionem em regime de take away ou de entrega ao domicílio.
Não é, pois, necessária qualquer prova da quebra de rendimentos do arrendatário para que este possa beneficiar do direito ao diferimento da renda, já que esta, face ao cenário de encerramento dos estabelecimentos, se presume.
Já quanto à obrigação de o arrendatário comunicar ao senhorio que pretende beneficiar do regime legal, apesar de a lei ser omissa e de o encerramento dos estabelecimentos ser imposto por lei, parece-nos que ela não deve deixar de ser feita, seja pelo imperativo de boa-fé na execução dos contratos, seja porque as partes poderão querer negociar os termos do diferimento de rendas indo para além do que a lei dispõe.
C) Consequências do diferimento na relação contratual
Havendo lugar ao diferimento das rendas que se vençam durante o estado de emergência e no mês subsequente, o pagamento da totalidade das rendas diferidas é devido pelo arrendatário – se as partes não acordarem em sentido diferente – nos doze meses seguintes ao termo do período de diferimento. Assim, se o estado de emergência vigorar até maio de 2020, o diferimento poderá ter lugar até junho de 2020, e as rendas que não tenham sido pagas nos meses de abril, maio e junho de 2020 deverão ser regularizadas entre julho de 2020 e junho de 2021, em doze prestações mensais não inferiores a 1/12 (um duodécimo) do montante total em dívida, e são devidas juntamente com a renda de cada mês.
Retomando o exemplo acima, a família que tenha diferido as rendas de abril, maio e junho de 2020, no valor de 900 Euros cada, deverá pagar os 2.700 Euros de rendas diferidas em doze prestações de 225 Eur cada, entre julho de 2020 e junho de 2021, devendo pagar mensalmente ao senhorio, durante aquele período, e se a renda não sofrer alterações, a quantia de 1125 Eur.
Quer a duração do período de diferimento, quer o prazo, número e montante das prestações mensais devidas para regularizar o pagamento das rendas diferidas poderão, em nosso entender, ser alterados por acordo das partes, que são livres de ampliar ou reduzir aqueles prazos e de estipular diferentes consequências para o diferimento. Se nada for acordado em sentido diverso, será aplicável o regime legal acima exposto.
Ao incumprimento da obrigação de pagamento das rendas diferidas aplicar-se-á, no arrendamento habitacional, o regime geral previsto no Código Civil para a mora do locatário e para a resolução do contrato com fundamento na falta ou mora no pagamento da renda e, no arrendamento não habitacional, o que as partes tenham disposto no contrato e, subsidiariamente, as disposições legais aplicáveis ao arrendamento não habitacional e ao arrendamento habitacional.
Isto significa que o arrendatário que tenha beneficiado do direito ao diferimento e, findo esse período, apenas pague a renda mensal referente ao mês em causa, e não o acréscimo devido para regularizar as rendas em atraso, pode ver o contrato de arrendamento resolvido pelo senhorio se a mora no pagamento de qualquer uma das prestações devidas para regularizar as rendas em atraso for igual ou superior a três meses.
O não pagamento de rendas durante o período em que o vigore o direito ao seu diferimento, no arrendamento habitacional, e ainda o encerramento de instalações e estabelecimentos, no arrendamento não habitacional, não pode ser invocado pelos senhorios como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento, nem como fundamento de obrigação de desocupação dos imóveis em que os estabelecimentos se encontrem instalados.
Por outro lado, a indemnização por mora do arrendatário no pagamento das rendas não é exigível enquanto vigorar o direito ao diferimento nos casos e nos termos legalmente previstos, não podendo ser aplicadas outras penalidades contratualmente previstas no âmbito do arrendamento não habitacional.
Por maioria de razão, enquanto o arrendatário tiver direito a diferir o pagamento de tais rendas, também não pode o senhorio exigir o seu pagamento a um fiador, pela simples razão de que não existe, ainda, mora no cumprimento da obrigação de pagamento dessas rendas.
Sabemos que no mês seguinte à cessação do estado de emergência em Portugal a economia não estará a funcionar como dantes e que as dificuldades económicas subsistirão. Para evitar conflitos entre arrendatários e senhorios é, pois, aconselhável que as partes acordem, por meio de aditamento contratual, os precisos termos em que as rendas em atraso devem ser pagas findo o período de diferimento.
É ainda particularmente relevante acautelar os casos em que os contratos cessem por caducidade ou oposição à renovação promovida pelo senhorio antes de regularizado o pagamento das rendas diferidas. A lei apenas esclarece que, em caso de cessação por iniciativa do arrendatário, as rendas vencidas e não pagas são devidas na totalidade a partir da data da cessação. Todavia, parece-nos que a também a cessação de um contrato por caducidade ou por iniciativa do senhorio não pode determinar o perdão de dívida do arrendatário que tenha beneficiado do direito ao diferimento de rendas.
Em suma, é muito ténue a conjugação de interesses de arrendatários e senhorios estabelecida pelo regime excecional aprovado em matéria de arrendamento urbano para fazer face às dificuldades económicas que o combate à Covid-19 está a provocar, pelo que as partes deverão, tanto quanto possível, prevenir hoje conflitos que não tardarão em surgir num futuro muito próximo.
Estas são algumas reflexões de caráter geral que nos parecem pertinentes a propósito do direito ao diferimento de rendas, e não dispensam a análise de cada caso concreto.
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(1) A lei presume que é habitação própria permanente do arrendatário a habitação correspondente à sua morada fiscal.
(2) Para efeito de demonstração da quebra de rendimentos releva: a) nos rendimentos do trabalho dependente, o respetivo valor bruto; b) nos rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B do IRS), o valor antes de IVA; c) nas pensões, o respetivo valor mensal bruto; d) nos rendimentos prediais, o valor das rendas recebidas; e) nas prestações sociais e apoios à habitação, o respetivo valor mensal; f) nos outros rendimentos, desde que recebidos de forma regular ou periódica, o respetivo valor.
Os rendimentos devem ser comprovados por recibos de vencimento (trabalho dependente), recibos ou faturas emitidas (empresariais ou profissionais), documentos emitidos pelas entidades pagadoras ou outros que demonstrem o seu efetivo recebimento, ou ainda, quando atenta a natureza da prestação não seja possível apresentar qualquer daqueles documentos, por declaração de honra do beneficiário (pensões, rendas, apoios à habitação e outros rendimentos regulares ou periódicos).
(3) Apenas a declaração de compromisso de honra, quando necessária, pode ser entregue ao senhorio até 30 dias após a comunicação. Se a obtenção do comprovativo de quebra de rendimentos (ex. recibo de vencimento) depender, à data em que é feita a comunicação, de emissão pela entidade competente, o arrendatário deve informar o senhorio e indicar a data prevista para a respetiva obtenção.
(4) Ao abrigo do Decreto n.º 2 -A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência.
TAKE III – Apoio Financeiro
A terceira medida aprovada pelo Governo português para apoiar arrendatários e senhorios no contexto da Covid-19 consiste na possibilidade de recorrer a um financiamento sem juros concedido pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P. (doravante, IHRU, I.P.), que visa garantir o pagamento das rendas pelos arrendatários ou compensar a perda de rendimento de senhorios durante a vigência do estado de emergência e até ao mês subsequente à sua cessação.
À semelhança do direito ao diferimento da obrigação de pagamento de rendas (ver o Take II desta série de artigos), a concessão de apoio financeiro pelo IHRU também não está ao alcance de todos os arrendatários e senhorios, tendo o legislador restringido o seu acesso a arrendatários e senhorios em contratos de arrendamento para fins habitacionais, em prol da proteção do direito fundamental à habitação.
Assim, aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais apenas terá aplicação o regime da suspensão dos efeitos decorrentes da sua cessação (ver Take I) e o diferimento do pagamento de rendas (ver Take II).
A) Arrendatários Habitacionais
A possibilidade de recorrer ao financiamento do IHRU surge como medida alternativa ao diferimento da obrigação de pagamento das rendas. Assim, o arrendatário pode escolher entre diferir o pagamento das rendas devidas ao senhorio até ao mês subsequente ao termo do estado de emergência, ou manter o normal pagamento dessas rendas e recorrer a financiamento do IHRU, sendo esta, em princípio, uma decisão do arrendatário.
Para aceder ao financiamento do IHRU o arrendatário deve demonstrar:
- quebra superior a 20% dos rendimentos de todo o agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior(1),
- que a taxa de esforço(2) do agregado familiar é superior a 35%, e
- que não beneficia de qualquer redução no valor da renda ao abrigo de regimes especiais de arrendamento, designadamente rendas sociais.
Para além dos arrendatários habitacionais que tenham no locado a sua habitação própria permanente, o apoio financeiro também é acessível a fiadores de arrendatários habitacionais que sejam estudantes e que não aufiram rendimentos de trabalho, e ainda a estudantes com contrato de arrendamento para habitação situada a uma distância superior a 50 km da residência permanente do seu agregado familiar para frequência de estabelecimento de ensino.
O empréstimo do IHRU é não remunerado (ou seja, não são devidos juros compensatórios), e submissão do pedido de empréstimo é efetuada pelo arrendatário no website do Portal da Habitação, através do preenchimento de formulário eletrónico próprio, devendo ser anexada a documentação comprovativa das condições de acesso acima referidas.
O IHRU, I.P. dispõe de 8 dias para aprovar ou recusar o pedido de apoio.
Quando aprovado, o apoio será disponibilizado mensalmente (durante o estado de emergência e até ao mês subsequente ao termo do estado de emergência), mas deverá cobrir apenas a diferença entre o valor da renda mensal devida pelo arrendatário e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar da taxa de esforço máxima de 35%, não podendo o rendimento disponível do agregado após o pagamento da renda ser inferior a EUR 438,81 (valor do IAS)(3).
Retomando o exemplo apresentado no Take II, onde ensaiámos a realidade de uma família com rendimento mensal normal de 3.000,00 Euros, reduzido para 2.000,00 Euros por efeito da crise, e cuja renda mensal é de 900,00 Euros:
(Renda mensal de 900,00Euros – Taxa de Esforço 35% de 700,00Euros = 200,00Euros)
Considerando que a taxa de esforço máxima de 35% aplicada ao rendimento mensal do agregado familiar é de 700,00 Euros, a família pagará 700,00 Euros de renda sendo a diferença de 200,00 Eur para perfazer o valor da renda total de 900,00 Euros será coberta pelo apoio concedido pelo IHRU. Assim, o apoio mensal será de 200,00 Euros.
Na vigência do contrato de empréstimo celebrados com o IHRU, os mutuários (e arrendatários) têm a obrigação de não utilizar as verbas disponibilizadas para outros fins que não o pagamento de rendas, e a remeter ao IHRU os recibos de renda no prazo de 10 dias consecutivos após a disponibilização daquelas verbas. Devem ainda informar o IHRU se, entretanto, obtiverem outros apoios destinados ao mesmo fim, bem como a ocorrência de qualquer situação que possa prejudicar ou impedir o cumprimento das obrigações assumidas nos contratos de empréstimo.
Quanto às condições de reembolso do empréstimo, o Regulamento aprovado pelo IHRU(4) prevê que os arrendatários e fiadores beneficiem de um período de carência até 31 de dezembro de 2020(5). Assim:
- em regra, o reembolso será devido a partir de janeiro de 2021;
- deverá ser pago em prestações de capital mensais, iguais e sucessivas no valor de 1/12 (um duodécimo) da renda mensal, exceto a última prestação, que será no valor total do montante residual em dívida;
- a primeira prestação vencer-se-á no primeiro dia útil do mês seguinte ao do termo do período de carência, e as prestações seguintes no primeiro dia útil de cada mês subsequente;
- é admitido o reembolso antecipado, total ou parcial, sem qualquer penalização.
B) Senhorios Habitacionais
Os senhorios de contratos de arrendamento para fins habitacionais também podem, embora em termos muito limitados, recorrer ao apoio financeiro do IHRU para compensar a perda de rendimentos verificada pelo diferimento do pagamento de rendas requerido pelos seus inquilinos.
Para beneficiarem do apoio do IHRU, os senhorios deverão:
- demonstrar uma quebra superior a 20% dos rendimentos do respetivo agregado familiar face ao mês anterior ou ao período homólogo do ano anterior, da qual resulte um rendimento disponível do agregado familiar inferior a 438,81 Euros (IAS),
- que a quebra abrupta de rendimentos se deve ao não pagamento de renda, devidas e não pagas pelos arrendatários
- os quais requereram o diferimento da obrigação de pagamento de rendas e comunicaram ao senhorio essa intenção.
Os senhorios de contrato de arrendamento para habitação que pretendam recorrer ao financiamento devem submeter o seu pedido através do Portal da Habitação, sendo o montante máximo do apoio concedido pelo IHRU correspondente ao valor mensal das rendas devidas e não pagas pelos arrendatários.
No que diz respeito ao reembolso, este será efetuado em 12 prestações iguais e sucessivas, de valor correspondente a um duodécimo (1/12) do montante total do empréstimo, vencendo-se a primeira no primeiro dia do mês subsequente ao da última utilização, e as seguintes no primeiro dia de cada mês subsequente, sem prejuízo de cada uma poder ser paga sem penalização por mora até ao dia 8 do mesmo mês.
É de notar que não foi previsto qualquer período de carência para os senhorios, pelo que o reembolso dos valores mutuados é devido a partir do mês seguinte ao da última utilização (ou seja, a partir do mês seguinte ao termo do direito dos arrendatários ao diferimento no pagamento de rendas).
C) Aplicação residual da medida: Diferimento vs. Financiamento?
De um modo geral, o arrendatário dispõe de duas soluções que, apesar de alternativas, são bastante distintas no que toca à burocracia envolvida, à liquidez e à distribuição do risco.
Quanto à burocracia, enquanto a concessão do apoio financeiro exige a submissão de um pedido, a aprovação do IHRU, I.P. e a formalização de um contrato de empréstimo, o diferimento da obrigação de pagamento de rendas requer apenas uma comunicação dirigida ao senhorio, o qual, preenchidos os pressupostos legais do direito ao diferimento, nada pode opor, nem requerer ao arrendatário que recorra ao financiamento do IHRU.
No que concerne à liquidez, o direito ao diferimento permite ao arrendatário diferir a totalidade do pagamento das rendas devidas, embora o reembolso seja devido a partir do mês subsequente ao termo do estado de emergência. Já no empréstimo concedido pelo IHRU, o arrendatário deve pagar durante o estado de emergência e no mês subsequente ao seu termo parte do valor da renda até ao limite da taxa de esforço de 35%. O apoio do IHRU cobre o remanescente do valor da renda, e o seu reembolso é devido, em regra, a partir de janeiro de 2021.
Por conseguinte, no diferimento do pagamento de rendas o risco de incumprimento e de falta de liquidez recaem totalmente sobre o senhorio que, ao contrário dos arrendatários, apenas poderá recorrer a apoio financeiro do IHRU se o rendimento do seu agregado familiar descer a níveis extremamente baixos (438,81 Euros). Recorrendo o arrendatário a financiamento do IHRU, as rendas continuarão a ser pagas na totalidade e o risco de incumprimento da obrigação de reembolso dos valores mutuados é daquele instituto – e, consequentemente, do Estado.
Em suma, a disparidade entre os meios ao dispor de arrendatários e senhorios é manifesta e, face ao exposto, parece-nos que muitos inquilinos optarão por requerer o diferimento de rendas ao invés de pedir financiamento ao IHRU e, nessa medida, este apoio terá uma aplicação limitada ou residual.
Esta análise não é exaustiva e as vantagens de uma ou outra medida estão necessariamente relacionadas com a realidade de cada agregado familiar, pelo que a sua ponderação caso a caso é indispensável.
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(1) Para efeito de demonstração da quebra de rendimentos releva: a) nos rendimentos do trabalho dependente, o respetivo valor bruto; b) nos rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B do IRS), o valor antes de IVA; c) nas pensões, o respetivo valor mensal bruto; d) nos rendimentos prediais, o valor das rendas recebidas; e) nas prestações sociais e apoios à habitação, o respetivo valor mensal; f) nos outros rendimentos, desde que recebidos de forma regular ou periódica, o respetivo valor.
Os rendimentos devem ser comprovados por recibos de vencimento (trabalho dependente), recibos ou faturas emitidas (empresariais ou profissionais), documentos emitidos pelas entidades pagadoras ou outros que demonstrem o seu efetivo recebimento, ou ainda, quando atenta a natureza da prestação não seja possível apresentar qualquer daqueles documentos, por declaração de honra do beneficiário (pensões, rendas, apoios à habitação e outros rendimentos regulares ou periódicos).
(2) Calculada como a percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda.
(3) Por cada utilização do empréstimo é devido imposto de selo no montante de 0.04% sobre o valor mutuado, que é retido pelo IHRU e deduzido da verba a disponibilizar ao mutuário.
(4) Disponível para consulta aqui.
(5) Que, em qualquer caso, nunca poderá ser inferior a 6 meses.
Joana Neto Mestre | Jéssica Ramos