SÉRIE “OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO NO CONTEXTO DA COVID-19”
TAKE III – Apoio Financeiro

A terceira medida aprovada pelo Governo português para apoiar arrendatários e senhorios no contexto da Covid-19 consiste na possibilidade de recorrer a um financiamento sem juros concedido pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P. (doravante, IHRU, I.P.), que visa garantir o pagamento das rendas pelos arrendatários ou compensar a perda de rendimento de senhorios durante a vigência do estado de emergência e até ao mês subsequente à sua cessação.
À semelhança do direito ao diferimento da obrigação de pagamento de rendas (ver o Take II desta série de artigos), a concessão de apoio financeiro pelo IHRU também não está ao alcance de todos os arrendatários e senhorios, tendo o legislador restringido o seu acesso a arrendatários e senhorios em contratos de arrendamento para fins habitacionais, em prol da proteção do direito fundamental à habitação.
Assim, aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais apenas terá aplicação o regime da suspensão dos efeitos decorrentes da sua cessação (ver Take I) e o diferimento do pagamento de rendas (ver Take II).
A) Arrendatários Habitacionais
A possibilidade de recorrer ao financiamento do IHRU surge como medida alternativa ao diferimento da obrigação de pagamento das rendas. Assim, o arrendatário pode escolher entre diferir o pagamento das rendas devidas ao senhorio até ao mês subsequente ao termo do estado de emergência, ou manter o normal pagamento dessas rendas e recorrer a financiamento do IHRU, sendo esta, em princípio, uma decisão do arrendatário.
Para aceder ao financiamento do IHRU o arrendatário deve demonstrar:
- quebra superior a 20% dos rendimentos de todo o agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior(1),
- que a taxa de esforço(2) do agregado familiar é superior a 35%, e
- que não beneficia de qualquer redução no valor da renda ao abrigo de regimes especiais de arrendamento, designadamente rendas sociais.
Para além dos arrendatários habitacionais que tenham no locado a sua habitação própria permanente, o apoio financeiro também é acessível a fiadores de arrendatários habitacionais que sejam estudantes e que não aufiram rendimentos de trabalho, e ainda a estudantes com contrato de arrendamento para habitação situada a uma distância superior a 50 km da residência permanente do seu agregado familiar para frequência de estabelecimento de ensino.
O empréstimo do IHRU é não remunerado (ou seja, não são devidos juros compensatórios), e submissão do pedido de empréstimo é efetuada pelo arrendatário no website do Portal da Habitação, através do preenchimento de formulário eletrónico próprio, devendo ser anexada a documentação comprovativa das condições de acesso acima referidas.
O IHRU, I.P. dispõe de 8 dias para aprovar ou recusar o pedido de apoio.
Quando aprovado, o apoio será disponibilizado mensalmente (durante o estado de emergência e até ao mês subsequente ao termo do estado de emergência), mas deverá cobrir apenas a diferença entre o valor da renda mensal devida pelo arrendatário e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar da taxa de esforço máxima de 35%, não podendo o rendimento disponível do agregado após o pagamento da renda ser inferior a EUR 438,81 (valor do IAS)(3).
Retomando o exemplo apresentado no Take II, onde ensaiámos a realidade de uma família com rendimento mensal normal de 3.000,00 Euros, reduzido para 2.000,00 Euros por efeito da crise, e cuja renda mensal é de 900,00 Euros:
(Renda mensal de 900,00Euros – Taxa de Esforço 35% de 700,00Euros = 200,00Euros)
Considerando que a taxa de esforço máxima de 35% aplicada ao rendimento mensal do agregado familiar é de 700,00 Euros, a família pagará 700,00 Euros de renda sendo a diferença de 200,00 Eur para perfazer o valor da renda total de 900,00 Euros será coberta pelo apoio concedido pelo IHRU. Assim, o apoio mensal será de 200,00 Euros.
Na vigência do contrato de empréstimo celebrados com o IHRU, os mutuários (e arrendatários) têm a obrigação de não utilizar as verbas disponibilizadas para outros fins que não o pagamento de rendas, e a remeter ao IHRU os recibos de renda no prazo de 10 dias consecutivos após a disponibilização daquelas verbas. Devem ainda informar o IHRU se, entretanto, obtiverem outros apoios destinados ao mesmo fim, bem como a ocorrência de qualquer situação que possa prejudicar ou impedir o cumprimento das obrigações assumidas nos contratos de empréstimo.
Quanto às condições de reembolso do empréstimo, o Regulamento aprovado pelo IHRU(4) prevê que os arrendatários e fiadores beneficiem de um período de carência até 31 de dezembro de 2020(5). Assim:
- em regra, o reembolso será devido a partir de janeiro de 2021;
- deverá ser pago em prestações de capital mensais, iguais e sucessivas no valor de 1/12 (um duodécimo) da renda mensal, exceto a última prestação, que será no valor total do montante residual em dívida;
- a primeira prestação vencer-se-á no primeiro dia útil do mês seguinte ao do termo do período de carência, e as prestações seguintes no primeiro dia útil de cada mês subsequente;
- é admitido o reembolso antecipado, total ou parcial, sem qualquer penalização.
B) Senhorios Habitacionais
Os senhorios de contratos de arrendamento para fins habitacionais também podem, embora em termos muito limitados, recorrer ao apoio financeiro do IHRU para compensar a perda de rendimentos verificada pelo diferimento do pagamento de rendas requerido pelos seus inquilinos.
Para beneficiarem do apoio do IHRU, os senhorios deverão:
- demonstrar uma quebra superior a 20% dos rendimentos do respetivo agregado familiar face ao mês anterior ou ao período homólogo do ano anterior, da qual resulte um rendimento disponível do agregado familiar inferior a 438,81 Euros (IAS),
- que a quebra abrupta de rendimentos se deve ao não pagamento de renda, devidas e não pagas pelos arrendatários
- os quais requereram o diferimento da obrigação de pagamento de rendas e comunicaram ao senhorio essa intenção.
Os senhorios de contrato de arrendamento para habitação que pretendam recorrer ao financiamento devem submeter o seu pedido através do Portal da Habitação, sendo o montante máximo do apoio concedido pelo IHRU correspondente ao valor mensal das rendas devidas e não pagas pelos arrendatários.
No que diz respeito ao reembolso, este será efetuado em 12 prestações iguais e sucessivas, de valor correspondente a um duodécimo (1/12) do montante total do empréstimo, vencendo-se a primeira no primeiro dia do mês subsequente ao da última utilização, e as seguintes no primeiro dia de cada mês subsequente, sem prejuízo de cada uma poder ser paga sem penalização por mora até ao dia 8 do mesmo mês.
É de notar que não foi previsto qualquer período de carência para os senhorios, pelo que o reembolso dos valores mutuados é devido a partir do mês seguinte ao da última utilização (ou seja, a partir do mês seguinte ao termo do direito dos arrendatários ao diferimento no pagamento de rendas).
C) Aplicação residual da medida: Diferimento vs. Financiamento?
De um modo geral, o arrendatário dispõe de duas soluções que, apesar de alternativas, são bastante distintas no que toca à burocracia envolvida, à liquidez e à distribuição do risco.
Quanto à burocracia, enquanto a concessão do apoio financeiro exige a submissão de um pedido, a aprovação do IHRU, I.P. e a formalização de um contrato de empréstimo, o diferimento da obrigação de pagamento de rendas requer apenas uma comunicação dirigida ao senhorio, o qual, preenchidos os pressupostos legais do direito ao diferimento, nada pode opor, nem requerer ao arrendatário que recorra ao financiamento do IHRU.
No que concerne à liquidez, o direito ao diferimento permite ao arrendatário diferir a totalidade do pagamento das rendas devidas, embora o reembolso seja devido a partir do mês subsequente ao termo do estado de emergência. Já no empréstimo concedido pelo IHRU, o arrendatário deve pagar durante o estado de emergência e no mês subsequente ao seu termo parte do valor da renda até ao limite da taxa de esforço de 35%. O apoio do IHRU cobre o remanescente do valor da renda, e o seu reembolso é devido, em regra, a partir de janeiro de 2021.
Por conseguinte, no diferimento do pagamento de rendas o risco de incumprimento e de falta de liquidez recaem totalmente sobre o senhorio que, ao contrário dos arrendatários, apenas poderá recorrer a apoio financeiro do IHRU se o rendimento do seu agregado familiar descer a níveis extremamente baixos (438,81 Euros). Recorrendo o arrendatário a financiamento do IHRU, as rendas continuarão a ser pagas na totalidade e o risco de incumprimento da obrigação de reembolso dos valores mutuados é daquele instituto – e, consequentemente, do Estado.
Em suma, a disparidade entre os meios ao dispor de arrendatários e senhorios é manifesta e, face ao exposto, parece-nos que muitos inquilinos optarão por requerer o diferimento de rendas ao invés de pedir financiamento ao IHRU e, nessa medida, este apoio terá uma aplicação limitada ou residual.
Esta análise não é exaustiva e as vantagens de uma ou outra medida estão necessariamente relacionadas com a realidade de cada agregado familiar, pelo que a sua ponderação caso a caso é indispensável.
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(1) Para efeito de demonstração da quebra de rendimentos releva: a) nos rendimentos do trabalho dependente, o respetivo valor bruto; b) nos rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B do IRS), o valor antes de IVA; c) nas pensões, o respetivo valor mensal bruto; d) nos rendimentos prediais, o valor das rendas recebidas; e) nas prestações sociais e apoios à habitação, o respetivo valor mensal; f) nos outros rendimentos, desde que recebidos de forma regular ou periódica, o respetivo valor.
Os rendimentos devem ser comprovados por recibos de vencimento (trabalho dependente), recibos ou faturas emitidas (empresariais ou profissionais), documentos emitidos pelas entidades pagadoras ou outros que demonstrem o seu efetivo recebimento, ou ainda, quando atenta a natureza da prestação não seja possível apresentar qualquer daqueles documentos, por declaração de honra do beneficiário (pensões, rendas, apoios à habitação e outros rendimentos regulares ou periódicos).
(2) Calculada como a percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda.
(3) Por cada utilização do empréstimo é devido imposto de selo no montante de 0.04% sobre o valor mutuado, que é retido pelo IHRU e deduzido da verba a disponibilizar ao mutuário.
(4) Disponível para consulta aqui.
(5) Que, em qualquer caso, nunca poderá ser inferior a 6 meses.
Joana Neto Mestre | Jéssica Ramos