SÉRIE “OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO NO CONTEXTO DA COVID-19”

TAKE I – Suspensão de Efeitos Em Caso de Cessação do Arrendamento

A primeira medida adotada para auxiliar os arrendatários a fazer face aos efeitos económicos e sociais da pandemia foi a suspensão da produção de efeitos decorrentes da cessação de contratos de arrendamento, celebrados quer para fins habitacionais, quer para fins não habitacionais, quando promovida pelos senhorios ou resultante de mero efeito dos contratos. Esta suspensão de efeitos deverá durar até que seja decretado o fim da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da COVID-19 e durante os 60 dias posteriores à cessação de tais medidas.

Assim, ficam suspensos durante aquele período, nomeadamente, os efeitos decorrentes da denúncia, caducidade e oposição à renovação de contratos de arrendamento, bem como o prazo para que os inquilinos procedam à restituição do locado(1). Ressalve-se, porém, que a suspensão dos referidos efeitos se aplica apenas às cessações promovidas pelos senhorios ou que resultem de mero efeito dos contratos (por exemplo, a caducidade). Por outras palavras, dir-se-á que para os arrendatários nada muda, podendo estes, em pleno Estado de Emergência, cessar o contrato de acordo com os mecanismos previstos no Código Civil e cumprindo os necessários pré-avisos.

Esta situação poderá acarretar, quer por parte dos senhorios, quer dos inquilinos, alguma incerteza quanto à capacidade para celebrar novos contratos de arrendamento. Assim, por exemplo, o que acontece a um inquilino num contrato de arrendamento para habitação que tenha previsto sair do atual locado e tenha, por isso, arrendado outro imóvel? Ou ao senhorio de um espaço comercial arrendado até 31 de abril de 2020 (data em que caducará o atual contrato), que celebrou com um terceiro outro contrato de arrendamento do mesmo estabelecimento com início a 1 de maio?

A lei apenas esclarece que, em caso de caducidade do contrato, a suspensão da produção de efeitos pode não se aplicar se o arrendatário não se opuser. E nos restantes casos? Apesar de a lei ser omissa, parece-nos defensável que o intuito é de proteção dos arrendatários. Assim, mesmo nos casos de denúncia e oposição à renovação promovidas por senhorios, parece-nos que se o arrendatário não pretender beneficiar do efeito legal de suspensão (porque, por exemplo, já celebrou contrato de arrendamento sobre outro imóvel), as partes são livres de acordar na cessação do contrato, com todos os efeitos legais.

Já no que respeita à posição dos senhorios que se vejam impedidos de honrar compromissos assumidos, como seja a entrega de um imóvel arrendado em data acordada, em virtude da suspensão de efeitos da cessação de um contrato em vigor de que o atual arrendatário queira beneficiar – é o caso do segundo exemplo acima ilustrado –, considerando que uma tal impossibilidade resulta da lei, parece-nos que ter-se-á de apurar se o terceiro com quem o senhorio celebrou contrato de arrendamento e que não poderá receber o locado na data acordada mantém, ou não, o interesse na manutenção desse contrato, porventura adiando o início da sua vigência para quando aquela suspensão legal cesse. Em caso negativo, em princípio o contrato extinguir-se-á e o senhorio deverá restituir tudo quanto haja recebido a título de rendas e de caução.

Estas são algumas das questões que a medida que prevê a suspensão dos efeitos decorrentes da cessação de contratos de arrendamento levanta. No entanto, estas considerações não dispensam a análise das circunstâncias de cada caso concreto.

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(1) Em caso de caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1053.º do Código Civil.

Joana Neto Mestre | Jéssica Ramos