Servidões Prediais de Não Concorrência

O Código Civil português, no Livro III (Direito das Coisas), regula os Direitos Reais, incluindo as servidões prediais. Podem parecer (mas apenas parecer) ligeiramente confusos os termos Direitos das Coisas e Direitos Reais, contudo uma breve explicação, permitirá dissipar qualquer dúvida.

Real, vem da expressão latina que significa “Coisa”, pelo que poderemos concluir que Direitos Reais coincidem com o Direito das Coisas. Vale dizer, que o direito real se apresenta como uma situação de poder imediato e direto do homem sobre a coisa. Ou, simplificando, os Direitos Reais dizem respeito ao poder direto que uma pessoa tem sobre um bem, como definido pela lei.

Com efeito, um dos princípios dos Direitos Reais é o princípio da tipicidade, que nos indica que não é permitida a criação de figuras distintas das já previstas na lei.

Pelo que a tipicidade tem, para nós, um carácter de taxatividade, isto é, de numerus clausus, onde os Direitos Reais se centram num elenco fechado de formas ou direitos, conforme resulta do Artigo 1306.º do Código Civil.

 No entanto, a taxatividade nos Direitos Reais não é tão rígida comparativamente a outros ramos do Direito, e isso deve-se ao facto de encontrarmos no direito das coisas tipos abertos, ou seja, a criação de novas figuras é vedada, mas isso não impede a modificação do conteúdo das servidões existentes, desde que convencionado pelas partes, em conformidade com a sua liberdade contratual.

Os Direitos Reais abrangem uma variedade de relações jurídicas que conferem ao titular um poder direto sobre um bem, sendo as servidões prediais um exemplo prático e específico dentro deste universo.

O que são servidões prediais?

As Servidões Prediais, encontram-se definidas, no art. 1543.º, como “o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.

O que quer dizer que são encargos que recaem sobre um imóvel (prédio serviente) em benefício de outro (prédio dominante), desde que pertencentes a proprietários diferentes. Por exemplo, um imóvel pode ser usado para dar passagem a outro. Esses direitos são flexíveis, permitindo ajustes conforme o acordo entre as partes, respeitando a liberdade contratual.

São quatro as notas que caracterizam este direito real: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes.

 O Código Civil aceita claramente o princípio da atipicidade do conteúdo das servidões, na medida em que o conteúdo da servidão pode ser qualquer utilidade suscetível de ser gozada através do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.

Servidões Prediais de Não Concorrência

Neste sentido, aqui introduzimos a questão específica das Servidões Prediais de Não Concorrência.  Ou seja, trata-se de uma situação em que um imóvel, utilizado ou potencialmente utilizado para uma atividade económica, se vincula a não exercer essa atividade em benefício de outro imóvel, onde opera um estabelecimento concorrente. Quando assumem natureza real, estas servidões configuram uma obrigação propter rem, na qual o titular de um direito real é obrigado a realizar uma prestação de facere ou dare em benefício de outro.

No caso concreto, estamos perante uma prestação de facere, onde o proprietário do prédio serviente é limitado no uso do seu imóvel, ficando proibido de exercer atividades concorrentes ao prédio dominante. Isso evidencia que o conteúdo das servidões pode ser atípico, permitindo a criação de uma servidão de não concorrência, mesmo sem previsão expressa na lei.

No entanto, para que tal servidão seja válida, é necessário que:

1) A obrigação de não concorrência se reporte ao sujeito, enquanto proprietário do prédio serviente. Ou seja, não se pode reportar ao prédio enquanto empresa;

2) A utilidade ligada ao prédio tem de estar ligada à empresa onde é exercida a atividade empresarial, sendo desconsiderado, para o efeito, o prédio onde é a sede da empresa.

A obrigação de não concorrência já existe e é por nós bem conhecida. A questão imperativa que se coloca é a possibilidade dessa obrigação assumir uma natureza real. Da nossa parte, temos algumas dúvidas que assim seja.

Vejamos:

Para que possamos admitir verdadeiramente uma natureza real associada a estas servidões, é necessário que a utilidade seja retirada à custa do próprio prédio serviente. Contudo, será isso o que está em causa?

Se considerarmos que a utilização do prédio será a mesma, com ou sem a servidão constituída, não parece que haja uma alteração substancial no uso do imóvel. A organização dos meios e a atividade desenvolvida provavelmente continuarão a ser as mesmas, sem qualquer modificação no prédio. Eventualmente, a clientela pode mudar, mas isso não estabelece uma relação direta com o prédio dominante.

Concluímos que, se fosse constituída uma servidão deste tipo, não haveria uma vantagem real para o titular do prédio dominante. Tudo o que o proprietário podia fazer, continuará a poder fazê-lo. Assim, a vantagem não decorre do prédio serviente, pelo que, no limite, não estaríamos perante uma relação real entre os dois prédios, mas sim uma relação obrigacional entre eles.

 

Inês Correia e a Diana Magalhães Lopes