O que vai mudar com o Programa Mais Habitação?

Fruto de diversas conferências de imprensa, consultas públicas, reuniões do Conselho de Ministros, crítica e discussão pública, o Governo finalmente enviou para a Assembleia da República aquela que será a Proposta de Lei que visa combater a crise imobiliária em Portugal.

Esta novidade legislativa traça como principais objetivos o aumento da oferta de imóveis para habitação, a simplificação dos processos de licenciamento, o aumento do número de casas no mercado de arrendamento e o combate à especulação imobiliária.

As maiores e mais sentidas alterações ocorrerão nos campos que analisaremos de seguida: 

1. Autorizações de residência para investimento (vistos gold)

2. Licenciamento de construção

3. Alojamento local

4. Arrendamento 

5. Incentivos fiscais

1. Autorizações de Residência para Investimento (Vistos Gold)

O Visto Gold consiste numa autorização de residência para fins de investimento. Esta autorização é muito vantajosa para o investidor e para a sua família devido à dispensa de obtenção prévia de um visto de residência e ao diminuto período mínimo obrigatório de permanência em território português.

Este assunto foi um dos que sofreu mais alterações após a consulta pública da versão inicial do diploma contendo as medidas anunciadas pelo Governo, fruto das diversas polémicas que suscitou e das suspeitas de violação de princípios constitucionais como a segurança jurídica.

Na versão inicial do diploma estava previsto o fim do programa de Vistos Gold com efeitos retroativos a 16 de fevereiro de 2023, data em que foram anunciadas na comunicação social, pela primeira vez, as medidas do pacote Mais Habitação.

No entanto, face aos riscos de inconstitucionalidade e o potencial de litigância contra o Estado decorrentes da medida em causa, o Governo acabou por alterar a versão inicial da proposta de lei, terminando com a sua retroatividade.

De acordo com a última versão disponibilizada e remetida para discussão e aprovação na Assembleia da República, é possível submeter pedidos de concessão de Vistos Gold até que a nova lei entre em vigor (i.e. após aprovação da Assembleia da República e promulgação do Presidente da República).

Aos pedidos pendentes à data de entrada em vigor da nova lei, os mesmos serão convertidos para uma autorização de residência para imigrantes empreendedores. Não obstante, os titulares podem ainda beneficiar do regime de permanência obrigatória de 7 dias no 1.º ano, ou de 14 dias nos subsequentes 2 anos.

Esta conversão da autorização de residência para imigrantes empreendedores pressupõe a verificação por parte das entidades competentes da adequação do investimento ao respetivo projeto empreendedor.

Apesar de o programa Mais Habitação não admitir novos pedidos de concessão de Vistos Gold, este facto não prejudicará a possibilidade de renovação das autorizações de residência para investimento concedidas e de concessão ou renovação das autorizações de residências para reagrupamento familiar. Simultaneamente aos pedidos pendentes, a renovação destas autorizações concedidas determina também a conversão para uma autorização para imigrantes empreendedores, sem prejuízo do benefício quanto à exigência na permanência em território nacional.

Para quem ainda assim pretende obter uma autorização de residência em Portugal, mas já sem a possibilidade de recorrer ao Visto Gold, há diversas outras opções, dentro das quais se destacam:

  • Visto de emprego (e procura de emprego) – D1
  • Visto de trabalhador independente – D2
  • Visto de empreendedor
  • Visto para reformados- D7
  • Visto para nómadas-digitais – D8
  • Cartão azul EU

 

2. Licenciamento de Construção

Um dos objetivos do Governo é tornar os processos de licenciamento urbanístico mais céleres e eficazes.

Na 1ª versão da proposta de lei esta medida consistia na aprovação dos projetos com base nos termos de responsabilidade dos respetivos autores. Esta medida visará possibilitar a generalização do princípio da desnecessidade de apreciação prévia pelas entidades licenciadoras.

A par desta medida estabelece-se um regime de responsabilidade solidária entre os autores do projeto, os promotores e os construtores.

Foi também nesta 1ª proposta de lei de 16 de fevereiro prevista a criação de um regime de juros de mora, com o propósito de sancionar os municípios e as entidades externas envolvidas, em caso de incumprimento dos prazos de decisão legalmente estabelecidos. Esta medida poderá trazer maior celeridade aos processos, se efetivamente levada à prática e acompanhada de medidas que promovam a eficiência no seio dos procedimentos administrativos e urbanísticos.

Do Conselho de Ministros de 27 de abril, resultou que, uma vez que procedimentos de licenciamento são muito morosos e complexos, deixarão de estar sujeitas a licenciamento as obras que aumentem o número de pisos (sem aumentar a cércea ou fachada), as obras de construção em área com operação de loteamento aprovada, plano de pormenor ou unidade de execução com desenho urbano, entre outras que ainda estarão por especificar.

Uma vez aprovado, o Pedido de Informação Prévia (PIP) passará a ter a validade de 2 anos e desonerará, em geral, o requerente de controlo prévio.

Outra medida importante que resultou do Conselho de Ministros revela que o não cumprimento dos prazos legais de decisão por parte da Administração Pública determinará o deferimento tácito.

De modo a pôr fim aos procedimentos considerados obsoletos e de difícil validação humana, prevê-se o fim da obrigatoriedade de obtenção de alvará/ licença de construção e subsequente licença de utilização, com a criação de uma plataforma única de licenciamento que garanta a desmaterialização de procedimentos.

Pretende-se ainda diminuir a complexidade e incumbência das exigências técnicas e procedimentais, através da codificação de toda a legislação, da revogação de normas procedimentais que sejam redundantes e da eliminação de exigências excessivas.

3. Alojamento Local

No âmbito do alojamento local, as medidas do programa Mais Habitação visam garantir um maior equilíbrio entre as respostas habitacionais disponíveis para os residentes e a continuidade do Alojamento Local.

A principal alteração legislativa prende-se com a suspensão de novas licenças de alojamento local nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados em frações autónomas de edifícios. É necessário ter em conta o seguinte:

  • Esta medida não é aplicável nos territórios de baixa densidade (também conhecidos como territórios do Interior), nem a outras modalidades de alojamento local, tais como moradias;
  • O Governo atribuiu também um papel importante aos municípios na aplicação desta medida, porquanto no caso dos territórios de média e alta densidade, os municípios podem, através de Cartas Municipais de Habitação, definir as áreas em não será necessário manter a suspensão de novas licenças de alojamento local.

Para além da suspensão de novas licenças, o Governo pretende eliminar as licenças inativas. Para o efeito, prevê-se que os titulares das licenças de alojamento local já emitidas provem a manutenção da referida atividade através da entrega de declarações contributivas. O incumprimento desta obrigação resultará no cancelamento automático da licença.

As novas licenças de alojamento local terão um “prazo de validade” de 5 (cinco) anos, renovável por iguais períodos. Já as licenças emitidas antes da entrada em vigor da nova legislação serão reapreciadas no ano de 2030 e, caso se mantenham ativas, serão então válidas pelo mesmo período.

Outra novidade a chegar com a nova legislação – também ela bastante polémica – é a possibilidade de os condomínios colocarem termo às licenças emitidas sem a sua aprovação. Caso a atividade de alojamento local seja exercida numa fração autónoma, a assembleia de condóminos, por deliberação de mais de metade da permilagem do edifício, pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local, com exceção dos casos em que (i) o título constitutivo permita a utilização da fração para esta atividade ou em que (ii) exista deliberação da assembleia de condóminos que a tenha expressamente autorizado.

A nível dos custos e do impacto fiscal sentidos na atividade de alojamento local, o Governo pretende agravar os encargos dos titulares de licenças de alojamento local nas modalidades de apartamento, mediante a implementação de uma contribuição extraordinária de 20% – o cálculo desta taxa obedecerá a vários critérios de aplicação. Para além disso, foi ainda criado um regime fiscal que beneficia os proprietários que desafetem o seu imóvel da atividade de alojamento local e o destinem ao arrendamento (opção que será oportunamente analisada nos “incentivos fiscais”).

4. Arrendamento

No que ao arrendamento diz respeito, a proposta apresentada pelo Governo passa pela redução dos impostos que lhe são inerentes e de proporcionar uma justiça mais rápida, por forma a tornar este mercado mais apelativo, quer face aos arrendatários, quer face ao senhorio.

A redução dos impostos, em particular, será abordada abaixo, como incentivo fiscal que configura.

Além disso, com este pacote legislativo de “Mais Habitação”, prevê-se a criação de uma linha de financiamento governamental, que terá como objetivo contribuir para a sustentabilidade financeira dos projetos privados em habitações para destinar ao arrendamento acessível. Esta linha de crédito, com garantia mútua e bonificação das taxas de juro, abrangerá projetos de imóveis que se projetem ser colocados no mercado de arrendamento acessível, contanto que este se mantenha no mesmo durante, pelo menos, 25 anos.

O Estado pretende ainda “substituir-se” ao inquilino e pagar aos senhorios rendas que se encontrem em atraso após o termo do prazo de oposição caso esteja em causa a resolução de arrendamento para fins habitacionais fundada em mora do arrendatário e quando este não tenha posto termo à mora no prazo de um mês, podendo o Estado exigir coercivamente o pagamento da dívida através dos meios legais gerais que atualmente possuem.

Em contrapartida, com vista a conferir uma maior proteção aos inquilinos, o Governo prevê neste pacote um limite ao aumento das rendas.

Desta forma, a renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais, que incidam sobre imóveis e hajam sido sujeitos a arrendamento nos 5 anos anteriores à entrada em vigor deste diploma, não pode exceder o valor da última renda praticada em contrato anterior, aplicado o coeficiente de 1,02 – esta regra será somente aplicável aos contratos que excedam os limites gerais de preço de renda por tipologia previstos na legislação aplicável ao Programa de Arrendamento Acessível.

Além do mais, quando o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tiver sido objeto de uma ou mais atualizações legalmente permitidas, ao valor da renda inicial poderá ser aplicado o coeficiente anual em vigor (estipulando para 2023 o coeficiente de 1,0543), contanto que não tenham passado mais de 3 anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação.

Já quanto à medida, deveras polémica, do arrendamento coercivo de imóveis devolutos, o mesmo apenas terá lugar nos apartamentos que estejam devolutos há mais de 2 anos, localizados fora dos territórios do interior e o Estado pagará uma renda compensatória ao proprietário. Não são considerados devolutos: casas de férias, casas de emigrantes ou pessoas deslocadas por motivos de saúde ou profissionais/formativos e casas cujos proprietários estejam em equipamentos sociais (ex: lar de idosos).

Por fim, cumpre ressalvar a inovadora medida de estabelecer o prazo de 30 dias para que os inquilinos entreguem as habitações aos senhorios em caso de despejo, contado a partir da notificação de decisão judicial que julgue improcedente a oposição.

5. Incentivos Fiscais

O programa Mais Habitação prevê ainda a criação ou reforço de um conjunto de incentivos fiscais que visam aumentar a oferta de imóveis no mercado habitacional, quer para venda, quer para arrendamento.

a) Imóveis destinados a Arrendamento Acessível, desafetos de Alojamento Local ou arrendados antes de 1990

Os proprietários que destinem imóveis a Arrendamento Acessível – no âmbito do Programa de Apoio ao Arrendamento (PAA) – terão os seguintes benefícios fiscais:

  • Taxa reduzida de 6% de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) nas empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis maioritariamente afetos ao Programa de Apoio ao Arrendamento (pelo menos 70% dos edifícios construídos ou reabilitados terão de ser afetos ao PAA);
  • Isenção de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) durante 3 anos após aquisição ou reabilitação de imóvel que seja afetado ao PAA, podendo prorrogar-se por mais 5 anos;
  • Isenção de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) na aquisição, aquisição para reabilitação ou construção de imóveis que sejam arrendados no âmbito do PAA;
  • Isenção de AIMI (Adicional ao IMI) sobre os imóveis arrendados no âmbito do PAA;
  • Isenção de IS (Imposto de Selo) nos contratos de arrendamento habitacional de imóveis que se enquadrem no Arrendamento Acessível.

O Programa de Arrendamento Acessível (PAA) determina que os contratos a ele afetos tenham um prazo mínimo de 5 anos para residência permanente, não obstante, as partes podem estipular prazos mais longos, bem como estipular as condições de renovação do mesmo.

Estes contratos de arrendamento acessível têm que obrigatoriamente estar acompanhados de seguro de indemnização por falta de pagamento da renda (a pagar pelo senhorio), de seguro de indemnização por quebra involuntária de rendimentos dos arrendatários (a contratar pelos arrendatários) e seguro de indemnização por danos no locado (a contratar pelos arrendatários) que pode ser substituído por uma caução até 2 meses de renda apresentando um justificativo.

A título meramente exemplificativo, na freguesia de Albufeira e Olhos de Água (concelho de Albufeira, distrito de Faro), um T2, com uma área bruta privativa de 107,27 m2, a renda máxima permitida ao abrigo do PAA pode rondar os €775, e um imóvel com as mesmas características situado na freguesia de Alvalade (concelho e distrito de Lisboa) pode rondar os €1150.

No que diz respeito a contratos de arrendamento anteriores a 1990, o Governo, após a conclusão de um relatório sobre a situação habitacional e o mercado de arrendamento do país, pretende propor a isenção de IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e de IMI, bem como definir os montantes e os limites de compensação a atribuir ao senhorio e a renda a pagar pelo arrendatário a partir de 2024.

Ficam também isentos de IRS e IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), até 31 de Dezembro de 2029, os rendimentos prediais que decorrem de contratos de arrendamentos para habitação permanente dos imóveis que tenham sido desafetados da exploração de estabelecimentos de alojamento local (AL), desde que o registo do AL e a sua afetação tenham ocorrido até 31 de Dezembro de 2022 e que a celebração do contrato de arrendamento e respetiva inscrição no Portal das Finanças ocorra até 31 de dezembro de 2024.

b) Redução de taxas de IRS sobre rendimentos da Categoria F

Por outro lado, de modo a incentivar a oferta no mercado de arrendamento, prevê-se a redução da taxa de IRS sobre as rendas auferidas pelos senhorios no âmbito de contratos de arrendamento habitacional. Assim, as rendas (rendimentos de categoria F) provenientes de contratos de arrendamento para habitação serão tributadas às taxas especiais seguintes (sem prejuízo da opção pelo englobamento às taxas gerais progressivas de IRS):

REGIME ATUAL REGIME PROPOSTO
Duração Contrato Taxa de IRS Duração Contrato Taxa de IRS
até 2 anos 28% até 5 anos 25%
entre 2 e 5 anos 26% entre 5 e 10 anos 15%
entre 5 e 10 anos 23% entre 10 e 20 anos 10%
entre 10 e 20 anos 14% > 20 anos 5%
> 20 anos 10%

Os seguros de renda também passarão a ser dedutíveis ao rendimento bruto da categoria F.

c) Isenção de IRS sobre mais-valias imobiliárias: vendas ao Estado e amortização de créditos para habitação própria permanente

Prevê-se igualmente a isenção de IRS sobre as mais-valias geradas pela venda de imóveis ao Estado, às Regiões Autónomas e aos municípios, com as seguintes exceções: (i) mais-valias realizadas por residentes com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favoráveis; e (ii) os ganhos provenientes do exercício do direito de preferência.

Com o objetivo de ajudar as famílias a reduzir os seus níveis de endividamento, prevê-se também a isenção de IRS sobre as mais-valias geradas na venda de terrenos para construção ou imóveis habitacionais que não sejam habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, ocorridas desde 1 de janeiro de 2022, e cujo produto da venda se destine à amortização de crédito contraído para aquisição de habitação própria permanente do sujeito passivo ou seus descendentes (caso o produto da venda seja superior ao valor do empréstimo amortizado, a mais-valia proporcional ao valor não reinvestido será sujeita a tributação, nos termos gerais).

Para poder beneficiar de isenção de tributação em sede de IRS dos ganhos provenientes de transmissões onerosas de imóveis afetos a habitação própria e permanente (mais-valias), através do reinvestimento em novo imóvel (edificado ou a edificar) com a mesma finalidade, passa a ser exigido que o imóvel vendido tenha sido afeto a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado, com o respetivo domicílio fiscal declarado nas Finanças, durante os dois anos anteriores à venda.

Por outro lado, apenas poderão beneficiar da isenção por reinvestimento aqueles que não o tenham feito no ano da venda e nos três anos anteriores (ou seja, de quatro em quatro anos).

Por fim, para quem vendeu a sua habitação própria permanente durante a pandemia de Covid-19 (entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2021) terá mais dois anos, para além dos 3 atualmente previstos na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, para reinvestir na compra de novo imóvel a afetar ao mesmo fim.